Projecto "Islero" - A Iniciativa Espanhola para o Desenvolvimento de uma Arma Nuclear


Espanha
1963-1981

O Projecto "Islero", activo de 1963 a 1981, foi a iniciativa continuada do governo Espanhol para desenvolver uma arma nuclear, nascendo como conceito de meio de dissuasão, após a independência de Marrocos, em 1956, e da Guerra de Ifni, de 1957 a 1958, visando poder assim permitir condicionar pretensões territoriais marroquinas sobre Ceuta, Melilla e as Canárias. O projecto tem uma designação honorífica referente ao touro de nome "Islero", símbolo de bravura da linhagem Miura que, a 28 de Agosto de 1947, provocou a morte ao toureiro andaluz Manuel Laureano "Manolete" Rodríguez Sánchez.
Possuindo Espanha as segundas maiores reservas de urânio da Europa Ocidental (sendo as maiores detidas por França e em terceiro lugar as de Portugal), o General (Exército) Francisco Franco, chefe de governo, cria em 1948 a "Junta de Investigaciones Atómicas" (JIA), designada a partir de 1951 por "Junta de Energía Nuclear" (JEN).
Em 1963, Muñoz Grandes, General (Exército), Chefe do Alto-Estado Maior e Vice-Presidente do governo de Franco, inicia o Projecto "Islero" encarregando o Almirante (Armada) José María Otero de Navascués, então director da JEN, de um estudo para avaliar as possibilidades de desenvolvimento por Espanha de uma arma nuclear - estudo este que seria desenvolvido pelo General (Força-Aérea) Guillermo Velarde, físico-nuclear com formação adicional nos EUA (de 1957 a 1962), e responsável, em 1958, pelo desenvolvimento e operação do primeiro reactor nuclear espanhol, o JEN-I, na sede da JEN, na Cidade Universitária em Madrid.
A 17 de Janeiro de 1966, um bombardeiro estratégico B-52G da Força Aérea dos Estados Unidos, armado com 4 bombas termonucleares Mark 28 (B28FI Mod2 Y1), colide em voo com um avião de re-abastecimento KC-135, também da Força Aérea dos Estados Unidos e com o qual executava manobra de reabastecimento em voo, despenhando-se ambos sobre a região espanhola de Palomares, Almeria, junto à Costa Mediterrânica. Historicamente ficaria conhecido por "O Incidente de Palomares" e categorizado como uma situação "Broken Arrow", o código que designa, nas Forças dos EUA, a perda ou detonação acidental de uma arma nuclear.
O General Guillermo Velarde é envolvido, como analista e especialista nuclear, com as equipas de recuperação, e consegue apreciar componentes das 3 bombas caídas em terra (a quarta caiu ao mar e só seria recuperada por meios de resgate submarino da Marinha dos Estados Unidos, volvidos quase 3 meses, desde os 870 metros de profundidade). Desta apreciação e análise foi-lhe possível produzir informação sobre a arquitectura das bombas e os respectivos mecanismos de detonação, tornando então a Espanha (a par dos EUA, da URSS, da China e da França) o quinto país na posse de tais elementos (designados por desenho de Teller-Ulam, i.e., o conceito e desenho técnico de uma arma termonuclear, coloquialmente "bomba de hidrogénio" ou "bomba H"). Esta informação seria incorporada no desenvolvimento em curso do Projecto "Islero".
Em finais de 1966, Franco indica a Velarde que o desenvolvimento teórico e documental do projecto poderá prosseguir, mas em termos físicos seguirá de forma restrita, ou mesmo interrompida, receando possíveis sanções sobre Espanha via Agência Internacional de Energia Atómica. Em 1968, Espanha não assina o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (então lançado e subscrito por 6 dezenas de estados).
Em 1969 Espanha produz, em segredo, as suas primeiras gramas de plutónio no reactor rápido CORAL-I, no "Centro Nacional de Energía Nuclear Juan Vigón", na sede da JEN, em Madrid. Em 1971, o "Centro Superior de Estudios de la Defensa Nacional" (CESEDEN) indica, em relatório confidencial no âmbito do projecto, estar Espanha em condições de conduzir com êxito o desenvolvimento de uma opção nuclear militar, referenciando a central de Vandellòs, na Catalunha, como fonte futura do respectivo plutónio e apontando como zona provável de um primeiro ensaio a região, desértica e desabitada, da Província do Sahara (actualmente o território não autónomo do Sahara Ocidental), recorrendo a um poço a abrir, com 150 metros de profundidade, junto ao posto avançado de Miyec ("ميجك").
Em 1974, Carlos Arias Navarro, chefe do governo espanhol, e o General (Exército) Manuel Díez-Alegría, chefe do Alto-Estado Maior, determinam que o projecto "Islero" seja orientado ao objectivo de Espanha produzir 36 bombas de plutónio e que 8 delas sejam a base de bombas termonucleares, e que tal seja alcançado antes do final da década de 1970. Em Janeiro de 1976, é aprovado, pelo mesmo chefe de governo espanhol, o projecto do "Centro de Investigación Nuclear II" (CIN II) em Lubia, Soria (a 200 km de Madrid), sob direcção da JEN, destinado formalmente, além do CIN I (criado desde 1958 em Madrid) ao desenvolvimento estratégico de novas tecnologias nucleares, designadamente a aplicabilidade e desenvolvimento de reactores experimentais.
Em Junho de 1976, o Rei Juan Carlos nomeia Adolfo Suárez como novo chefe de Governo e iniciam-se as reformas políticas que conduziriam à legalização de partidos políticos, à convocação de eleições em 1977 e à aprovação da Constituição de 1978.
Sob intensa pressão da administração do Presidente dos EUA, Jimmy Carter, de 1977 a 1981, sobre os estados não signatários do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, Espanha assina, a 1 de Outubro de 1981, o protocolo da Agência Internacional de Energia Atómica, renunciando assim ao fabrico de armas nucleares e concedendo direitos de livre inspecção a esta Agência, para verificação de que as suas instalações nucleares não têm fins militares, e terminando aqui o desenvolvimento do Projecto "Islero". A 13 de Outubro de 1987, Espanha adere ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares.
O Projecto "Islero" alcançou assim os seus objectivos teóricos e documentais iniciais, foi obtida informação para os elementos críticos de uma abordagem termonuclear, foi produzido plutónio e foram identificadas as plataformas para a sua produção alargada na central de Vandellòs e foi inclusive determinado o local e mecânica possível para teste. Poderão ter sido construídos alguns protótipos (F. Gámez Balcázar na sua obra "El Secreto De La Bomba Atómica Española", editada pelas Almuzara em 2022, faz referência a dois ogivas, uma de Urânio 235 e outra de Plutónio 239, fabricadas em 1973 pela Fábrica de Uranio General Hernández Vidal de Andújar, Jaén, e pela Fábrica de Agua Pesada de Sabiñánigo, Huesca) mas não são conhecidas evidências documentadas nem, menos ainda, quaisquer registo de testes.
O Reino de Espanha possui actualmente 7 reactores nucleares a operar em 5 centrais nucleares (Almaraz, Ascó, Cofrentes, Tirlo e Vandellós (II) ), não tendo, desde Dezembro de 2000, activas quaisquer minas de exploração de urânio, mas assegurando produção de combustível de urânio a partir da unidade industrial da ENUSA Industrias Avanzadas, S.A. S.M.E. (ENUSA) em Juzbado, Salamanca, com necessidade de importação anual na ordem das 1 600 toneladas de urânio. Em Dezembro de 2023 o Governo Espanhol anunciou a sua decisão de descomissionar todas as suas centrais num plano a iniciar a partir de 2027.
Selecção e composição infográfica, sobre Mapa das Divisões Geográficas Militares de Espanha na década de 1950, por "Espada & Escudo". Na foto de grupo, temos José María Otero de Navascués (2.º a contar da esquerda da foto) e Guillermo Velarde (3.º a contar da esquerda da foto), na fábrica de equipamento nuclear da Atomics International, na Califórnia, EUA.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

"Centauro" e "Príncipe" da Marinha Portuguesa na Ilha do Príncipe

SUBMARINO ESPANHOL DISPARA TORPEDOS DE ENSAIO

"DRONE" DE FABRICO PORTUGUÊS NA UCRÂNIA