"DAKOTA" DA FAP ATINGIDO POR MÍSSIL "STRELA" NO NORTE DE MOÇAMBIQUE


Cabo Delgado, Norte de Moçambique
6 de Maio de 1974

Menos de 2 semanas após o 25 de Abril de 1974, os guerrilheiros da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) abatiam, na região de Mueda, em Cabo Delgado, no Norte de Moçambique uma aeronave Dakota C-47A da Força Aérea Portuguesa (FAP), 6175, com recurso a um míssil portátil "Strela" (SA-7) de fabrico soviético.

O Dakota C-47A da FAP, com a matrícula 6175, C/n: 19393 / 42-100930, partiu cerca das 13h00, de 6 de Maio de 1974, de Nangade, na margem direita do Rio Rovuma, na região de fronteira, a Norte, com a Tanzânia. Tinha como destino Nampula, a cerca de 450 km a Sul, uma viagem que deveria demorar cerca de 1h45. Era tripulado pelo Capitão José Luís Henriques Assunção, piloto da aeronave, então com 41 anos, com o Alferes Costa como co-piloto, e pelo 1.º Sargento Roma Pereira, pelos 1.º Cabos Pinheiro e 1.º Cabo Agostinho. Transportava 7 adidos militares, oficiais estrangeiros acreditados em Lisboa (1 da África-do-Sul, Maj. W. A. Kempeu; 1 da Alemanha, Ten.-Cor. Edward Grubbs; 1 do Reino-Unido, Cmdt. Thomas Binney; 2 dos EUA, o Cor. Peter Blackley e o Cmdt. Alexander Thomson; e 2 do Brasil, Brig. Alfredo Berenguer César e Cor. Roberto França) e o seu oficial de ligação, o Alferes Alves, dos Comandos. Em suma, um total de 13 homens a bordo.

A meteorologia apresentava-se chuvosa e, na rota prevista, avistam-se, no horizonte da vertical de Mueda, nuvens de trovoada (cumulonimbus). Com o agravamento das condições o comandante do Dakota C-47A desvia a sua rota para Leste, na direcção de Mocimboa da Praia, procurando evitar a tempestade. Porém acaba por se deparar com condições agravadas e tenta retomar a rota inicial. Cruzava agora, sem se aperceber, a Base Central da FRELIMO, no Planalto dos Macondes (popularmente designada por "Base Moçambique"). Nesta base o inimigo dispunha de armamento e equipamento de monta, entre os quais mísseis de defesa anti-aérea, portáteis, disparados a partir do ombro, "Strela" (SA-7) de fabrico soviético.

Eram agora 13h58 e o Dakota da FAP voava a cerca de 4 100 metros de altitude (13 500 pés) na região de Diaca, a cerca de 60 km a Sul do ponto de partida em Nangade. Com um avião de grandes dimensões como este a voar à sua vertical e no limiar do limite máximo da altitude alcançável pelo "Strela", os guerrilheiros disparam e, voando a 1 548 km/h, com uma massa de 9,8 kg contendo uma ogiva de alto-explosivo de fragmentação de 1,15 kg, guiado pela assinatura de calor do escape do motor direito do Dakota, o míssil impacta e explode.

Os danos são de monta, com o motor direito em chamas, vidros estilhaçados, danos na carenagem (libertando fumo e chamas) e na fuselagem. Sem feridos a registar, o Capitão Assunção, verificando a operacionalidade do motor esquerdo, ordena a paragem do motor direito e consegue alcançar a extinção do fogo e estabilizar o Dakota. Os danos severos na asa direita tornam crítico aterrar na região. Contactada a Torre de Controlo de Mueda, o Major Vaz Afonso, de serviço à mesma, informa o comandante do Dakota que tal ponto está sob chuva torrencial e trovoada, sem condições mínimas para o receber, e aponta como destino a pista de Nacatari, a Sudoeste de Mueda, e onde está aquartelada uma Companhia do Exército.

Em escuta das comunicações entre a Torre de Controlo de Mueda e o Dakota, estão, em missão de reconhecimento com apoio de fogo, dois helicópteros Aérospatiale Alouette III (um deles em configuração de heli-canhão, "Lobo Mau", e outro com 5 paraquedistas), sob comando do Tenente Luís Araújo e o Alferes Palma, que, de imediato, coordenam com o comando rumarem para Nacatari para apoiar o Dakota e os seus homens.

A pista de Nacatari correspondia a um troço de terra batida, de 350 a 400 metros, que recebia tipicamente apenas aeronaves ligeiras como o Dornier Do 27, um monomotor de 10 metros de comprimento e menos de 2 toneladas, capazes de aterrar em apenas 150 metros. Um Dakota C-47A, um bimotor de 20 metros de comprimento e com um peso máximo de 14 toneladas, carece tipicamente de mais de 1 000 metros para aterrar.

O Capitão Assunção inicia a descida para Nacatari, o trem de aterragem desce com sucesso, e, com os "flaps" todos em baixo, a aproximação à pista é feita a 120 km/h (65 nós) e, com as rodas quase a tocarem o solo, cortam o motor, e a aterragem, violenta, acontece. A pista, curta, e com uma "lomba" a meio, obriga o Capitão Assunção a executar um "cavalo de pau" e rodar o Dakota 180 graus sobre uma perna do trem e escolhe o lado esquerdo da pista, com mato e capim, para ali amortecer o impacto. Parte a perna direita do trem, a asa vai ao chão e, deslizando alguns metros, consegue imobilizar-se com sucesso - sendo prontamente ordenada a evacuação.

Praticamente ao mesmo tempo aterravam ali os dois "hélis" Alouette III e, com os 5 paraquedistas a assegurarem protecção acrescida no terreno, solicitavam apoio de mais "hélis", entre os quais um "Puma". Foi possível em menos de meia hora transportar os adidos militares para Mueda, de onde, e já com a melhoria das condições meteorológicas, seriam então transportados a bordo de um Nord Noratlas, comandado pelo Ten. Adelino Cardoso, para o seu destino em Nampula, onde chegariam ainda nesse mesmo dia.

O Dakota, inutilizado e expurgando posteriormente de componentes críticos por parte da FAP, ficou naquele ponto onde, aliás, permanece rigorosamente até hoje, assinalado na infografia com uma circunferência a tracejado branco, geo-referenciação -11.832676059250751, 39.41314683880421 , https://goo.gl/maps/x56Zjxw3d4kDxwrt5 .

Infografia composta e editada por "Espada & Escudo". Fotos preto-e-branco por Coronel Engenheiro Aeronáutico José Paulo Marques Pereira; fotos a cor via Colecção José Luís da Silva. Cartografia ONC ("Operational Navigation Chart") 1:1000000, P-5, 1971-1983, DMAAAC ("Defense Mapping Agency Aerospace Center"; mapa com foto de satélite via Google Earth [01Jun2008].


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