Israel: Programa Nuclear Militar, Mísseis Balísticos, a "Opção de Sansão" e a Doutrina de Begin
Israel
1952-2025
Em 1952, o Primeiro Ministro de Israel, David Ben-Gurion, formava a Comissão Israelita de Energia Atómica ("Atomic Energy Commission", IAEC), dirigida pelo cientista Ernst David Bergmann. Em 1953, no 4.º Laboratório ("Machon 4") da IAEC, Israel desenvolve a capacidade de de extrair urânio a partir dos fosfatos do deserto do Negev, identificados desde 1949 pela Secção "C" do Corpo Científico das Forças de Defesa de Israel (a sub-unidade HEMED GIMMEL).
Através da iniciativa norte-americana "Átomos para a Paz", de produção de energia e investigação científica, lançada em 1953 sob a presidência de Dwight D. Eisenhower, iniciar-se-ia, a 12 de Julho de 1955, com a assinatura de um acordo de cooperação nuclear entre os EUA e Israel, a construção do primeiro reactor nuclear de Israel, o IRR-1 ("Israel Research Reactor-1"), de 5 MWt, criando o Centro de Pesquisa Nuclear de Soreq, georreferenciação 31.899282899998326, 34.70258103232888 , ref. https://maps.app.goo.gl/TqxnCKLJAwignkam6 , que ficaria activo, dentro das inspecções da Agência Internacional de Energia Atómica ("International Atomic Energy Agency", IAEA), em 1960.
Na sequência da Crise do Canal do Suez e da celebração, em Outubro de 1956, do acordo militar secreto conhecido por Protocolo de Sèvres, entre o Reino Unido, a França e Israel, tem lugar, em 1957, um aprofundamento dessa aliança numa nova vertente, com a formalização de um acordo bilateral (também secreto) entre França e Israel para a construção de um segundo reactor nuclear. A construção teve início em 1958, em Dimona, no deserto do Negev, naquele que viria a tornar-se o Centro de Pesquisa Nuclear do Negev, georreferenciação 31.001238675926313, 35.14465119342606, ref. https://maps.app.goo.gl/qxkR58Av8gaD3YSQ9 , com o reactor IRR-2 (Israel Research Reactor-2), de 25 MWt, que entrou em actividade em 1963, fora de qualquer inspecção da IAEA.
Alimentado pelo urânio obtido a partir dos fosfatos do Deserto do Negev, bem como através de operações cobertas ou clandestinas de aquisição com origem no Congo Belga ("Union Minière du Haut-Katanga") na Argentina ("Comisión Nacional de Energía Atómica") e na África do Sul, o IRR-2 consegue produzir plutónio (Pu-239) a partir de 1964 e, através da unidade de separação do 2.º Laboratório ("Machon 2") de Dimona, alcançar, cerca de 1966 a 1967, um total de 15 a 20 kg capazes de suportar o núcleo da primeira arma nuclear de Israel. Aquando da Guerra dos Seis dias, de 5 a 10 de Junho de 1967, Israel teria já produzido duas ogivas nucleares de 10 a 20 quilotoneladas, semelhantes às usadas em 1945, no final da 2.ª Guerra Mundial, sobre as cidades Japonesas de Hiroshima e Nagasaki .
Com o seu nome a derivar da cidade bíblica do mesmo nome, Israel desenvolveu, com contrato de parceria assinado em Abril de 1963 com a francesa Dassault, o míssil balístico Jericho. França participa assim, com a sua experiência de potência nuclear desde 1960, no desenvolvimento da mesma capacidade para Israel, com o desenvolvimento nuclear de aplicação militar, em Dimona, e de sistemas e plataformas de armas para a sua projecção a longa distância.
A primeira versão deste míssil balístico, o Jericho I, inicia produção em 1965 e entra ao serviço em 1971, com uma massa de 6,5 toneladas, um comprimento de 13,4 metros e um diâmetro de 0,8 metros, equipada com uma ogiva de 400 a 1 000 kg, propulsionada por combustível sólido num único estágio, capaz de um alcance operacional de 500 a 600 km. Com capacidade de receber uma ogiva na ordem dos 400 a 500 kg. Terá sido retirada de serviço na década de 1990.
A montagem das primeiras unidades ocorreu nas instalações da Dassault, em Istres, no Sul de França, incorporando componentes de navegação por inércia da Sagem e motores Snecma. O primeiro exemplar foi concluído em 1965 e entregue formalmente a Israel em 1966, tendo os testes iniciais sido conduzidos em solo francês. Terão sido produzidas 10 a 14 unidades em França.
Entre 1967 e 1969, já com a extracção de Pu-239 activa e acumulada em Dimona, têm lugar testes de voo e validação em Israel a partir do centro operacional na Base de Palmachim. Em 1967 termina a cooperação militar formal entre França e Israel, após o embargo decretado por De Gaulle (embargo que se manteria até 1974). Em 1971, suportado pela Israel Aircraft Industries (IAI) e Rafael, o míssil entra formalmente ao serviço de Israel e com autonomia de produção local (que terá produzido pelo menos 5 dezenas de unidades).
A segunda versão deste míssil balístico, o Jericho II, inicia produção em 1987 e entra ao serviço em 1990, com uma massa de 26 toneladas, um comprimento de 14 metros e um diâmetro de 1,56 metros, equipada com uma ogiva de 500 a 1 000 kg, propulsionada por combustível sólido em dois estágios, capaz de um alcance operacional de 1 500 a 3 500 km. Capaz de receber uma ogiva de 500 kg a 1 tonelada. Continua ao serviço.
A terceira versão deste míssil balístico, o Jericho III, inicia produção em 2008 e entra ao serviço em 2011, com uma massa de 30 toneladas, um comprimento de 15,5 metros e um diâmetro de 1,56 metros, equipada com uma ogiva de 750 a 1 300 kg, propulsionada por combustível sólido em dois ou três estágios, capaz de um alcance operacional de 4 800 a 6 500 km. Encontra-se actualmente ao serviço. Pode transportar uma ogiva de 1 a 1,3 toneladas.
A Agência Espacial de Israel ("Israel Space Agency", ISA), fundada em 1983 e sucedendo ao Comité Nacional de Pesquisa Espacial, fundado em 1960, tem como porto aero-espacial a Base Aérea de Palmachim, no litoral Mediterrânico. Usou o foguetão Shavit de 1988 a 1990, o Shavit-1 de 1995 a 2004 e o Shavit-2 de 2007. Todos derivam do míssil balístico Jericho II. O Shavit-2 lançou um total de 7 satélites Ofeq ("Horizonte" em hebreu) com sucesso de todas as missões. Todos os satélites colocados em órbita são de aplicação militar, desde a recolha de imagens, radar de abertura sintética, recolha de informação de sinais e alerta estratégico. De um total histórico de 13 lançamentos, de 1988 a 2023, Israel tem actualmente 5 satélites em órbita. Israel é, entre um total de oito, o país com menor dimensão populacional a ter uma agência espacial e capacidade autónoma de produção e lançamento de satélites.
Israel não detém, nem nunca deteve, qualquer reactor nuclear afecto à produção de energia. Mantém actualmente em actividade os dois reactores criados na década de 1960, IRR-1 e IRR-2, com o mesmo enquadramento perante a IAEA, e os respectivos contextos de operação. Projecta-se que o IRR-2, inicialmente de 25 MWt, possa estar modernizado e aumentado, alcançando actualmente um patamar energético de 75 MWt, ou seja passando de uma capacidade anual de produção na ordem de 7 kg para 20 kg de Pu-239 (assumindo um "uptime" do reactor na ordem dos 75%). Uma ogiva nuclear moderna, como a norte-americana W87 ou a TNO francesa, carece de 4 a 5 kgs de plutónio.
Além dos mísseis balísticos Jericho (lançáveis a partir de plataformas móveis ou silos), Israel poderá projectar ogivas nucleares por meio de mísseis de cruzeiro "Popeye Turbo ALCM", lançados a partir de aeronaves F-15I; e através da versão "Popeye Turbo SLCM", lançada a partir dos seus submarinos da classe Dolphin, com um alcance estimado de 1 500 km e capacidade para transportar uma ogiva nuclear de até 200 quilotoneladas, presumivelmente contendo cerca de 6 kg de plutónio (Pu-239).
No seu livro "The Samson Option: Israel’s Nuclear Arsenal and American Foreign Policy", de 1991, o autor norte-americano Seymour M. Hersh, nascido em Chicago em 1937 e prémio Pulitzer de 1970 com a sua investigação sobre o Massacre de My Lai, a 16 de Março de 1968, pelas Forças Armadas dos EUA no decurso da Guerra do Vietnam, usa a expressão "A Opção de Sansão" para descrever o que entende ser o protoloco nuclear de Israel, destinado apenas a uso perante risco terminal de não sobrevivência de Israel - recorrendo à metáfora bíblica de Sansão que, encurralado pelos filisteus, derruba as colunas do templo e morre com os seus inimigos. Trata-se apenas da visão do autor, e não, tout court, de uma doutrina efectiva ou reconhecida por Israel. Aliás, tal como Israel mantém uma posição de reserva ou de ambiguidade comunicacional sobre todo o seu programa nuclear em contexto militar.
Numa outra dimensão, no quadro daquilo que é conhecido como Doutrina de Begin — assim designada em referência ao Primeiro-Ministro israelita Menachem Begin, que exerceu funções entre 1977 e 1983 — Israel estabeleceu uma linha doutrinária assente na premissa de que não permitirá que Estados que considera hostis e uma ameaça qualificada à sua existência desenvolvam armas nucleares. Esta doutrina traduz-se na adopção de acções preventivas unilaterais destinadas a eliminar, antes de se tornarem operacionais, capacidades nucleares.
A primeira aplicação operacional ocorreu a 7 de Junho de 1981, com a execução da Operação Opera, durante a qual a aviação israelita destruiu o reactor nuclear Osirak, nos arredores de Bagdade, então em fase avançada de construção e inserido no programa nuclear do Iraque liderado por Saddam Hussein. Duas décadas depois, a mesma lógica estratégica seria aplicada contra a Síria. A 6 de Setembro de 2007, Israel lançou a Operação Outside the Box, uma missão aérea que visou e destruiu o reactor nuclear Al-Kibar, em Deir ez-Zor, então em construção com assistência tecnológica norte-coreana.
Já no caso do Irão, a aplicação da Doutrina de Begin adquiriu um carácter prolongado e com várias fases e acções, dada a complexidade, dispersão e resiliência do programa nuclear iraniano. Entre 2008 e 2021, Israel terá conduzido múltiplas operações clandestinas, que incluíram a introdução do malware Stuxnet criando especificamente para atacar o sistema SCADA, desenvolvido pela Siemens, e que controlava as centrifugadoras de enriquecimento de urânio em Natanz, operações de sabotagem física contra centros de investigação nuclear, e a eliminação selectiva de cientistas iranianos ligados ao esforço de militarização, como foi o caso de Mohsen Fakhrizadeh em 2020. Mais recentemente, a resposta israelita escalou de forma muito significativa com o desencadear da Operação "Rising Lion", iniciada a 13 de Junho de 2025, ref. https://espada-e-escudo.blogspot.com/2025/06/israel-lanca-operacao-rising-lion.html . Esta operação, ainda em curso à data, envolve acções coordenadas contra instalações nucleares, centros de comando e elementos-chave da Guarda Revolucionária iraniana, incluindo peritos científicos ligados ao programa atómico. A acção combina ataques cinéticos com vectores cibernéticos e operações especiais no terreno, configurando a mais abrangente aplicação da Doutrina de Begin desde a sua formulação.
Orfotomapa do Centro de Pesquisa Nuclear do Negev, 2025, via Google Maps, seleccionada e editada por "Espada & Escudo". Foto MD 620 Jéricho, França, ca. 1965-6, via Dassault Aviation. Modelo de referência 3D de Jericho III por BlueGreen 3D Models. Foto de Centro de Pesquisa Nuclear do Negev, Dimona, 8 de Setembro de 2002, por Thomax Coex. Foto da construção em Dimona, 16 de Novembro de 1960, e "croquis" de mapa da sua localização in Atomic Energy Commission, AEC Intelligence Report, “Israeli Reactor Site Near Beersheba,” 9 December 1960, AECIR Report 60-3. Páginas do livro "The Samson Option: Israel’s Nuclear Arsenal and American Foreign Policy", 1991, via Biblioteca "Internet Archive".
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