1944 - O primeiro míssil de cruzeiro da história lançado a partir de uma aeronave


Mar do Norte 
Julho de 1944

Na noite de 7 para 8 de Julho de 1944, durante a 2.ª Guerra Mundial, um bombardeiro bimotor Heinkel He 111 H-22 do 3.º Grupo da 3.ª Asa de Bombardeiros (III./Kampfgeschwader 3, KG 3) da Força Aérea Alemã ("Luftwaffe"), a operar a partir da sua base de Gilze-Rijen na Holanda e voando sobre o Mar do Norte, lançava, pela primeira vez na história, um míssil de cruzeiro, Fieseler Fi 103 A-1, coloquialmente conhecido como "V1", visando um objectivo na região Sudeste de Inglaterra. Não atingiria o mesmo (caíndo sobre o mar), sendo, no dia seguinte, a 9 de Julho de 1944, que o primeiro lançamento nos mesmos termos alcançaria com sucesso o objectivo, neste caso, na região de Londres.
A "V1" (acrónimo de "Vergeltungswaffe 1", "Arma de Vingança 1"), o primeiro míssil de cruzeiro operacional da história, tinha um comprimento de fuselagem de 7,9 metros (8,32 metros compreendendo a projecção do motor), um diâmetro de 0,82 metros e uma envergadura de asa de 5,37 metros. Com uma massa total de 2,15 toneladas, estava armado com uma ogiva de 850 kg, de alto explosivo Amatol, com espoleta para detonação por impacto. Propulsionado por um motor (pulso-reactor) Argus As 014 (RLM 109-014), com dois depósitos de combustível, num total de 640 litros de gasolina de 80 octanas, sustentava uma velocidade máxima de 640 km/h a uma altitude típica de 600 a 900 metros. Era guiado por um sistema automático de giroscópio mecânico de três eixos, uma bússola magnética, um altímetro barométrico e um anemómetro (frontal).
Com os primeiros conceitos e desenho de protótipo a remontarem a Junho de 1942, com a designação "mascarada" de FZG 76 ("Flakzielgerät 76", lit. "Aparelho de Pontaria para Artilharia Antiaérea n.º 76"), a V1 teve os primeiros protótipos construídos em Outubro de 1942 e o primeiro voo bem sucedido em Dezembro de 1942. Com ensaios intensivos de fiabilidade e de calibração do seu sistema de orientação a decorrem entre Fevereiro e Março de 1943, as primeiras rampas iniciam construção e instalação em larga escala em Maio de 1943, no Norte de França, na região de Pas-de-Calais (Bois Carré, Bonningues, Yvrench). A V1 (Fi 103 A-1) inicia produção em série em Novembro de 1943, sendo ensaiados os primeiros modelos finais, com ogiva, em Maio de 1944. O primeiro lançamento da V1 a partir de rampa terrestre, em contexto de combate, teve lugar a 13 de Junho de 1944, visando um objectivo em Londres, que seria atingido com sucesso. A 16 de Junho de 1944, regista-se um pico de disparo de 244 mísseis de cruzeiro V1 disparados sobre Inglaterra a partir do Norte de França.
A V1, em contexto de lançamento a partir de aeronave, teve o seu primeiro teste operacional de voo bem sucedido a partir de um Heinkel He 111 a 10 de Dezembro de 1943. Foram ainda utilizados, em contexto experimental, os bombardeiros Heinkel He 177 A e Junkers Ju 88, embora apenas o He 111 tenha sido seleccionado para uso operacional. Ao longo dos seis meses seguintes a esse primeiro ensaio, foram preparados cerca de uma dezena de bombardeiros He 111, os quais seriam utilizados pela primeira vez em combate em Julho de 1944. Esse número aumentaria progressivamente até cerca de duas dezenas em Outubro de 1944, com um total estimado de cerca de uma centena de aparelhos modificados até ao final da guerra.
A adaptação dos bombardeiros Heinkel He 111 ao lançamento aéreo da V1 resultou na criação da variante He 111 H-22, baseada sobretudo em células dos modelos H-6, H-16 e H-20. As modificações incluíram a instalação de um ponto de fixação reforçado sob a asa direita, destinado ao transporte da V1 (Fi 103 A-1), com sistema de libertação activado electricamente a partir da cabine. Para compensar o peso assimétrico da aeronave, foram removidas diversas secções de armamento defensivo. O cockpit recebia ainda instrumentação específica para o controlo e activação da projecção da V1.
A V1, por sua vez, foi modificada com a adição de três pontos de suporte na sua secção superior, permitindo a sua suspensão segura sob a asa direita do bombardeiro, entre a nacela do motor e a fuselagem. Alcançado o ponto de projecção, o motor pulsorreactor da V1 era colocado em funcionamento ainda presa ao suporte, sendo a libertação realizada já à altitude de operação. O engenho prosseguia então de forma totalmente autónoma até ao seu objectivo, num princípio comparável ao moderno conceito de fire and forget.
O lançamento a partir do He 111 H-22 tinha lugar numa abordagem táctica de "Lo-Hi-Lo", com uma primeira fase de voo a baixa altitude (na ordem dos 50 metros), seguida de uma segunda a maior altitude (cerca da 600 metros) para projecção da V1 (numa posição a cerca de 100 a 150 km a Leste-Noroeste da Holanda), seguida de regresso a baixa altitude.
Colocada em uso operacional a partir de 13 de Junho de 1944, a V1 foi, como originalmente projectada, lançada a partir de plataformas terrestres (Wurfgerät 41, catapultas a vapor com rampas de 48 metros, inclinadas a 6 graus), que lhe permitiam atingir alvos situados até cerca de 250 km de distância. A sua posterior utilização em lançamento aéreo, a partir de bombardeiros, veio estender esse alcance até aos 330 km e, sobretudo, permitiu diversificar os pontos de lançamento, explorando vulnerabilidades nas defesas anti-aéreas inimigas. Estas defesas estavam maioritariamente orientadas para ameaças vindas do Canal da Mancha, a Sul-Sudeste, e não do Mar do Norte, a Leste-Nordeste.
Entre 13 de Junho de 1944 e Março de 1945, durante a campanha operacional da V1 na 2.ª Guerra Mundial, terão sido lançadas cerca de 25 000 unidades deste míssil de cruzeiro, quer a partir de rampas terrestres fixas instaladas na região francesa do Pas-de-Calais, tendo como principal alvo o Sudeste de Inglaterra, nomeadamente Londres; quer, a partir de Outubro de 1944, visando as cidades belgas de Antuérpia, Liège e Bruxelas - em particular Antuérpia, atingida por centenas de lançamentos a partir de novas rampas instaladas na Holanda e na Bélgica.
Cerca de 5 por cento daquele total, aproximadamente 1 200 unidades, foram lançadas a partir de bombardeiros Heinkel He 111 H 22, numa campanha aérea iniciada em Julho de 1944 e prolongada até Janeiro de 1945. No caso dos lançamentos aéreos, é projectada uma taxa de sucesso próxima dos 60 por cento, superior à média global de cerca de 25 a 30 por cento registada nos lançamentos a partir de rampas, cujas trajectórias eram mais previsíveis e, por isso, sujeitas a uma rede mais densa e eficaz de intercepção por parte das defesas antiaéreas britânicas. Em agregado, a campanha de lançamento da V1 manteve uma média superior a 100 mísseis por dia durante os seus principais meses de actividade.









Fotos via OSINT







Diagramas via OSINT




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