A "Guerra Esquecida" de Espanha no Enclave de Ifni na Costa Ocidental Africana


Ifni 
1957-1958

A 23 de Novembro de 1957, o enclave espanhol de Ifni, com 50 quilómetros de costa atlântica, 1 502 quilómetros quadrados de superfície e 320 quilómetros de fronteira com a região da costa sul de Marrocos, era alvo de um ataque pelo "Exército de Libertação" ("جيش التحرير"), apoiado por Marrocos, sobre vários postos e praças-fortes das Forças de Espanha, alcançando um cerco à capital Sidi Ifni, a tomada e cerco de múltiplas posições no interior, como Tagragra, Telata e Tiliuín, e o corte da generalidade das vias de comunicação e abastecimento. Iniciava-se o que ficaria conhecido coloquialmente como "A Guerra Esquecida" ("La Guerra Olvidada") e que se estenderia ao longo de 219 dias até 30 de Junho de 1958.
Com o território de Ifni defendido por um efectivo regular na ordem dos 1 500 homens, dos "Tabores" I, II e IV de Atiradores de Ifni, um Grupo de Artilharia de Montanha e os elementos da "Polícia Indígena" N.º 1 de Ifni, o ataque do "Exército de Libertação" foi conduzido por um efectivo na ordem dos 1 500 a 2 000 homens, de forma planeada e integrada, com cortes de comunicações, acções de emboscada e de franco-atiradores e o assalto e cerco a inúmeros postos. O perimetro defensivo da praça-forte da cidade portuária de Sidi-Ifni, com 27 km, e a 9 km do centro da cidade, conseguiu travar ali o avanço das forças do "Exército de Libertação" mas estas conseguem cercar a mesma e cortar acessos terrestres ao demais território.
O Reino de Espanha reage, destacando para este enclave, neste mesmo dia, a VI Bandera de la Legión (desde El Aaiún, na Província Espanhola do Sahara, a cerca de 400 km a Sul) e a I Bandera Paraquedista desde o território continental; bem como duas companhias do Batalhão n.º 53 Fuerteventura, batalhões expedicionários dos Regimentos n.º 9 Soria, n.º 19 Pavia e n.º 41 Cadiz e ainda um grupo de artilharia.
Espanha desenvolve um plano de resposta assente em 3 vectores: (i) alcançar e reforçar as posições cercadas mais distantes e além da cidade de Sidi Ifni; (ii) já com mais forças de reforço no Teatro de Operações, restabelecer abastecimento e libertação efectiva dos postos cercados; e um último (iii) sobre as defesas sitiadas no perímetro imediato de Sidi Ifni.
São assim lançadas, sobre os dois primeiros vectores, três operações: (i) a "Pañuelo", de 29 de Novembro a 4 de Dezembro de 1957, que permitiria alcançar, por assalto aero-transportado, o Forte de Tiliuín, sob cerco no extremo Sul do território, e que corresponderia à primeira operação em combate de paraquedistas espanhóis, a cargo de 75 homens da 7.ª Companhia da "Segunda Bandera" da "Brigada Paracaidista" a saltarem a partir dos Junkers Ju52/3m (CASA C-352 A-3); (ii) a "Netol", de 1 a 5 de Dezembro de 1957, a Sul de Sidi Ifni, que permitiu recuperar as posições de Telata, Arbaa de Mesti e Tiliuin; e (iii) a "Gento", de 5 a 9 de Dezembro de 1957, a Leste de Sidi Ifni, que permitiu recuperar as posições de Tiugsa e Tzenín de Amel-lu.
De 31 de Janeiro a 3 Fevereiro de 1958, e sobre o terceiro e último vector, desencandeia-se a operação "Diana", visando as posições das forças do "Exército de Libertação" no flanco Leste, Norte e Sul do cerco mais próximo a Sidi Ifni. Seguem-se as operações "Pegaso", a 19 de Fevereiro de 1958, em direcção a Tabelcut, a Norte, com uso das peças de artilharia dos cruzadores ligeiros Galicia e Almirante Cervera, cada um com 8 peças de 152 mm, e com a realização do segundo salto em combate dos paraquedistas espanhóis, sobre Erkunt; e "Siroco", a 10 de Fevereiro de 1958, visando Zoco el Arba del Mesti, a Sul. Em apoio a todos estas operações são empenhados bombardeiros Heinkel 111 (CASA 2.111) e caças Texas T-6 (C.6).
A 30 de Junho de 1958 é firmado um cessar fogo que termina o conflito em Ifni. Ter-se-ão registado mais de 3 centenas de baixas entre as forças de Espanha (83 mortos, 251 feridos e 2 desaparecidos) e mais de 1 milhar entre as forças do "Exército de Libertação". O território do enclave de Ifni permaneceria sob controlo do Reino de Espanha até 1969, data a partir da qual passaria a integrar a soberania do Reino de Marrocos.
Em paralelo com as acções de Fevereiro de 1958 sobre o enclave de Ifni, desenvolver-se-ia uma acção alargada e de maior dimensão, com forças conjuntas de Espanha e de França (que em 1956 havia concedido independência a Marrocos), sobre o território do Sahara Espanhol (250 km a Sul), combatendo também as forças insurgentes do "Exército de Libertação" aí activas (compreendendo elementos e apoios marroquinos, argelinos e mauritanos).
Teve assim lugar, de 10 a 24 de Fevereiro de 1958, a Operação "Teide" (o maior pico montanhoso de Espanha, "El Teide", localizado nas Canárias, com 3 718 metros) e a Operação "Écouvillon" ("Escovilhão" em francês). Estiveram envolvidos 9 000 militares espanhóis e 5 000 militares franceses, face a uma força estimada de 7 a 12 000 elementos do "Exército de Libertação". São desencadeadas acções de assalto aerotransportado com largada de paraquedistas, bombardeamentos com apoio aéreo (com uma força conjunta de 150 aeronaves), e acções combinadas em frentes múltiplas simultâneas ("pinças") de Norte a Sul de todo aquele território (com uma linha de costa de 1 062 km e uma superfície de 266 mil quilómetros quadrados - cerca de 3 vezes maior do que a superfície de Portugal).
A 2 de Abril de 1958 os Governos de Espanha e Marrocos, representados pelos respectivos Ministros dos Negócios Estrangeiros, Fernando María Castiella y Maíz e Ahmed Balafrej, assinam o Tratado de Angra de Cintra, com a cedência da faixa de Tarfaya a Marrocos e a manutenção de Ifni e da Província do Sahara na coroa espanhola.
Neste contexto, e da independência anterior de Marrocos, em 1956, o governo Espanhol lançaria o Projecto "Islero", activo de 1963 a 1981, para o desenvolvimento de uma arma nuclear, nascendo como conceito de meio de dissuasão e para permitir condicionar pretensões territoriais marroquinas sobre Ceuta, Melilla e as Canárias, ref. https://espada-e-escudo.blogspot.com/2024/12/projecto-islero-iniciativa-espanhola.html .
O Sahara Ocidental, com um população actual na ordem dos 600 mil habitantes, permanece uma região disputada, com cerca de 20% do território, a Sul, sob a República Democrática Árabe Sharawi ("الجمهورية العربية الصحراوية الديمقراطية") e 80%, a Norte, sob o Reino de Marrocos. A República Democrática Árabe Sharawi foi criada em 1976 pela Frente Polisario ("Frente Popular de Liberación de Saguía el Hamra y Río de Oro"), criada por sua vez em 1973, visando a independência do Sahara Ocidental de Espanha, que retiraria do território em 1976 (em resultado dos Acordos de Madrid de 14 de Novembro de 1975), e que disputa actualmente com o Reino de Marrocos, tendo declarado, em 2020, o final do cessar-fogo mediado pela ONU em 1991.
O Reino de Espanha compreende actualmente, conforme artigo 5.º da constituição de 1978 e definição de estatuto e lei orgânica de 1995, 2 cidades autónomas no Norte de África - Ceuta e Melilla (além das 17 comunidades autónomas). São "plazas mayores" com o estatuto de cidade autónoma de Espanha e, como "plazas de soberanía", parte da União Europeia.
Composição infográfica por "Espada & Escudo" sobre cartografia e ortofotomapa Google Maps e "croquis" dos postos de Ifni por (Gen.) Casas de la Vega (in p. 232 de "La última Guerra de África). Mapas tácticos in "Revista Del Ejército De Tierra Español", Número 932 (Extra) Novembro de 2018 - Ano LXXIX. Fotos via OSINT




Ataque do "Exército de Libertação" a 23 de Novembro de 1957





Territórios em 1956, via Wikimedia Commons








Comentários

Mensagens populares deste blogue

Dois navios de transporte e assalto anfíbio da Marinha Russa rumando ao Mediterrâneo acompanhados pela Marinha Portuguesa

"Centauro" e "Príncipe" da Marinha Portuguesa na Ilha do Príncipe

SUBMARINO ESPANHOL DISPARA TORPEDOS DE ENSAIO