OPERAÇÃO "DULCINEIA"


Atlântico Sul
22 de Janeiro de 1961

Na madrugada de 21 para 22 de Janeiro de 1961, o paquete português "Santa Maria", navegando em águas internacionais ao largo de Curaçao, era alvo de uma acção de sequestro por parte de um comando armado de 24 elementos do movimento DRIL ("Directorio Revolucionario Ibérico de Liberación", "Diretório Revolucionário Ibérico de Libertação"), desencadeando-se assim a Operação "Dulcineia" - naquele que seria o primeiro acto de sequestro sobre um navio da história contemporânea (e não, como muitas vezes projectado, o sequestro do navio de cruzeiro italiano MS Achille Lauro, a 7 de Outubro de 1985, por elementos afectos à Frente de Libertação da Palestina).

O N/T "Santa Maria" era um paquete português, afecto, de 1953 a 1973, à Companhia Colonial de Navegação (n.º de registo H 421, indicativo de chamada CSAL), construído pela Société Anonyme John Cockerill (Bélgica), deslocando 20 906 toneladas, com um comprimento de 186,6m, uma boca de 23,09, propulsionada por 2 grupos de turbinas, com 2 hélices, com uma velocidade máxima de 22 nós. Tendo largado de Lisboa a 9 de Janeiro de 1961, o Santa Maria contava, a 22 de Janeiro de 1961, com 350 tripulantes e transportava 586 passageiros, compreendendo 233 espanhóis, 179 portugueses, 87 venezuelanos, 35 norte-americanos, 4 cubanos, 3 brasileiros, 1 italiano e 1 panamiano.

Planeada e comandada por 3 elementos - o português Henrique Galvão e os galegos Xosé "Pepe" Velo Mosquera e José Fernando Fernández "Soutomaior" Vázquez, a operação do DRIL inicia-se com a entrada, como passageiros, dos seus operacionais aquando das escalas programadas do paquete nos portos de La Guaira (Venezuela), a 20 de Janeiro de 1961, e de Willemstad (Curaçao), a 21 de Janeiro de 1961, camuflando as suas armas em compartimentos ocultos da bagagem. Cerca das 01h45 de 22 de Janeiro de 1961, em águas internacionais ao largo de Curaçao, quando o Santa Maria rumava a Port Everglades, Ft. Lauderdale, a norte de Miami (EUA), os operacionais do DRIL atacam a ponte de comando do navio e o posto de rádio, desencadeando-se um tiroteio, de que resultariam vários feridos ligeiros e 2 feridos graves entre a tripulação - José Peres de Sousa e João José do Nascimento Costa, que viria a morrer a bordo em resultado destes ferimentos. O DRIL acabaria por conseguir assim o controlo do navio, até ali comandado por Mário Simões Maia e sua tripulação.

Controlando já os meios de comunicação e de navegação do navio, passando a designar o mesmo por "Santa Liberdade", e fazendo chegar aos "media" internacionais diversos comunicados e manifestos, o comando do DRIL inicia o desvio de rota do mesmo. Num primeiro momento, a 23 de Janeiro de 1961, ruma à Ilha de Santa Lucia, onde desembarcam os feridos (e alguns doentes), seguindo então para rumo desconhecido dos demais.

Desencadeia-se rapidamente uma acção militar internacional de busca pelo paquete Santa Maria envolvendo, a partir da Europa, a fragata NRP Pêro Escobar (F335), da Marinha Portuguesa, aeronaves Lockheed P2V-5 "Neptune" da Esquadra 61 da Força Aérea Portuguesa, o Canarias (C-21), cruzador pesado da Marinha Espanhola e, a partir de meios dos Estados Unidos a operar no Mar das Caraíbas, um conjunto de navios da 6.ª Esquadra da Marinha dos Estados Unidos ("U.S. Navy"), sob comando do contra-almirante Allen E. Smith: os "destroyers" USS Gearing (DD 710), USS Damato (DD 871), USS Vogelgesang (DD 862) e USS Robert L. Wilson (DD-847); o navio de desembarque USS Hermitage (LSD 34); e o navio de re-abastecimento USS Nespelen (AOG-55). A bordo do USS Hermitage estavam o 1.º, 2.º e 3.º pelotões da companhia "Golf" do 2.º Batalhão do 6.º Regimento da 2.ª Divisão do Corpo de Fuzileiros (UMSC). Além dos meios navais da Marinha dos Estados Unidos e dos Fuzileiros, são envolvidos também meios aéreos da mesma, WV-2 (Lockheed EC-121 Warning Star) e P2V-7 "Neptune" do "Airborne Early Warning Squadron FOUR", esquadra conhecida por VW-4, "Hurricane Hunters", a operarem a partir da U.S. Naval Station em Roosevelt Roads, Puerto Rico. Juntaram-se ainda meios das Forças Armadas do Reino Unido - a fragata HMS Rothesay (F107), a partir da Ilha de Santa Lucia, o "destroyer" HMS Ulster (R83) a partir das Bahamas, 2 aeronaves anfíbias Grumman HU-16 Albatross e 4 Hawker Hunters.

Com uma informação de avistamento, a 900 milhas a Leste de Trinidad, a 25 de Janeiro de 1961, por um cargueiro dinamarquês, de 5 950 toneladas, o Vibeke Gulva (IMO 5379523), e consequente intercepção, no dia seguinte, a 700 milhas a Norte da foz do Rio Amazonas, por uma aeronave Lockheed P2V-7 "Neptune" da Marinha dos Estados Unidos, comandada pelo Ten. Daniel L.L. Krauss, o Santa Maria vê-se escoltado ao longo dos dias seguintes por vários navios e aeronaves daquela força, acabando o comando do DRIL por ceder e manobrar o paquete português para uma posição a cerca de 50 milhas náuticas a sudeste de Recife, no Brasil (geo-referenciação -8.766465233622085, -34.566650606747146).

No Domingo, 29 de Janeiro de 1961, a partir de uma lancha do seu navio almirante, o "destroyer" USS Gearing, o contra-almirante Allen E. Smith, segue, acompanhado por outros elementos da Marinha dos Estados Unidos, bem como por elementos dos serviços de informações, para bordo do Santa Maria onde conduz negociações com o comando do DRIL. Em resultados destas negociações, a 2 de Fevereiro de 1961, o Santa Maria, escoltado já por navios da Marinha Brasileira, entra no porto do Recife, desembarcando, sob protecção dos Fuzileiros Brasileiros, os seus tripulantes e passageiros. A 3 de Fevereiro de 1961, o comando do DRIL rende-se ao Vice-Almirante brasileiro Augusto Roque Dias Dias Fernandes, Comandante do 3.º Distrito Naval (COM3DN), em troca de asilo político oferecido pelo Estado Brasileiro.

O nome "Operação Dulcineia" foi escolhido por Henrique Galvão, decorrente do título de uma peça de teatro de Carlos Selvagem, a farsa heróica "Dulcinéa ou a última aventura de Dom Quixote" (Lisboa, Editorial Aviz, 1943), onde é recriado um personagem libertador de oprimidos e defensor de maior justiça social. Henrique Galvão morreria exilado em São Paulo, no Brasil, a 25 de Junho de 1970. Xosé "Pepe" Velo Mosquera morreria na mesma cidade a 31 de Janeiro de 1972. José Fernando Fernández "Soutomaior" Vázquez morreria em Mérida, na Venezuela, em 1986.

Fotos via OSINT
Mapa via Google Earth Pro
Composição e Edição por Espada & Escudo

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